Ao percorrer a Baixada Campista em direção à Ponta Grossa dos
Fidalgos, antiga colônia de pesca situada no estuário da Lagoa Feia, o turista fica
surpreso e curioso de ver àquela cruz tosca, feita de madeira de lei, à margem
da estrada – marcando a história da região.
Tudo por ali tem ares misteriosos como se antigos fantasmas
procurassem chamar a atenção dos viajantes pela necessidade de contar os casos e
se redimir dos crimes praticados contra a negritude, numa época em que os
barões praticavam injustiças com o respaldo do poder.
Ninguém no lugarejo sabe precisar, ao certo, quando aquela
cruz foi erguida e por que motivo. A cruz deu nome à fazenda Cruzeiro do
Pontal. O campeiro, Paulo Jorge de Souza Fernandes, 54 anos, nascido e criado
naquela região no complexo da Lagoa Feia, diz: “ouvi muitas histórias de meu
pai, que as tinha ouvido de meu avô. Tudo teria começado no tempo da
escravidão”.
Esses fatos podem ter ocorrido há pelo menos 160 anos. O
lugar teria sido um cemitério de escravos, uma vez que muitos chegavam mortos à
região, de forma clandestina, fugindo do fisco, através da Barra do Furado,
entrando pelo Canal das Flechas.
“Ouvi dizer também, que a cruz foi erguida pelos fiéis como
lembrança da morte de um tropeiro jogado ao chão numa poça de sangue, após ter
sido chifrado por um boi, em estado furioso”, relata o campeiro.
Fernandes informa que o antigo dono da fazenda foi Luiz
Alberto de Miranda Barros, que faleceu aos 80 anos, e contava estas histórias.
O herdeiro da fazenda, Carlos Eduardo Barros Braga Neto, chegou a dizer que já
assistiu muitas missas por ocasião cíclica das moagens e que os casos existem
desde a época do Barão de São José seu parente mais famoso.
Além de misterioso, o Cruzeiro do Pontal enfeita uma paisagem
próxima de uma estrada de servidão que entra pelos alagados em busca da Lagoa
nas confluências de Carães. Por ali há plantas exóticas, piaçocas, jaçanãs e
cânticos de papa-capins, pica-paus e quero-queros.
Finda a
visita mesmo depois da curva do asfalto, a cruz do pontal ainda estava na
paisagem. Para ouvidos mais sensíveis, o sibilar do vento nordeste nos galhos
das árvores e os ruídos normais da fauna das paragens, à distância pareciam
entoar uma música, misto de lamentos e tambores africanos, em sinal de gratidão.
O Barão de São José - Apesar de falecido em 1878, a figura do barão ainda é lembrada por
famílias mais antigas, mostrando que a memória histórica ainda está viva por
ali passando de geração para geração, desafiando quem possa, e tenha disposição
de transformar a oralidade em nítido letramento, legando ao porvir “causos”
realmente importantes para integrar, mais fortemente, a Baixada na História do
Brasil.
Em meio ao silêncio
dos aceiros, sempre apinhados de pássaros cantores, aquele ruído de vento na
copa das castanheiras, parece mostrar o barão ali, no ambiente da Baixada,
suplicando às divindades por (mais) um avir de permanência.