quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ex-supervisora diz que Ecad já sabia de fraudes no carnaval e órgão rebate denúncias

Regiane Jonas Bela é uma mulher de longos cabelos louros que hoje ganha a vida como coordenadora de uma creche municipal em São Paulo. Em 2006, no entanto, ela acompanhou de perto a extinção do Núcleo de Coleta de Dados (NCD) que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) mantinha na capital paulista. Era a supervisora do setor responsável por processar todas as informações musicais do carnaval daquele ano e foi uma das 30 pessoas demitidas pelo escritório - ela e outras 16 por justa causa - por suspeita de envolvimento num golpe que pretendia manipular o sistema de amostragem que o Ecad usa para pagar os direitos autorais de todos os músicos do país.
Na tarde de segunda-feira Regiane recebeu O GLOBO para uma entrevista e, segurando o choro, lembrou que, em decorrência da crise de 2006, ficou dois anos desempregada e enfrentou um quadro clínico de depressão.
- Os fiscais do Ecad faziam o trabalho deles, que era chegar ao local (bares com música ao vivo) e gravar o que estava sendo tocado - contou a coordenadora em frente à creche onde trabalha, no Museu do Ipiranga. - Muitas vezes as gravações mostravam que um mesmo compositor conseguia executar 50 músicas em menos de uma hora, e nós cansamos de avisar ao pessoal do Rio que tinha caititu demais nas coletas de dados feitas. Eles respondiam dizendo que era assim mesmo.
Fraude entre músicos e bares
Caititu", nome de uma espécie de porco do mato, é usado, no jargão interno do Ecad, para identificar os compositores sem expressão nacional que tentam manipular o sistema de amostragem do escritório para elevar a pontuação de seu repertório e, assim, receber um pouco mais pelas execuções públicas de suas obras. Em 2006, Joselito Macedo e outros 13 membros de sua família apareceram no sistema do Ecad e chamaram a atenção do setor de distribuição da entidade por serem compositores tão tocados quanto grandes nomes do carnaval brasileiro.
As demissões por justa causa de Regiane e dos outros 16 funcionários do NCD que ela supervisionava e que perderam seus direitos trabalhistas foram contestadas e revertidas pela Justiça. De acordo com o advogado do grupo, Donovan Neves de Brito, o Ecad acusou injustamente seus funcionários, alguns com 20 anos de casa, e terá que pagar uma indenização média de R$ 30 mil para cada um deles.
- A coordenadora que ficava no Rio (a então gerente de distribuição), Márcia Cristina de Melo, enviava para São Paulo as listas dos estabelecimentos que teriam material coletado. Entre 2003 e 2005, ela foi notificada diversas vezes sobre o número excessivo de caititus e nada fez - sustentou o advogado. - Em 2006 o Ecad demitiu todo mundo usando essas listas, feitas unilateralmente, por eles mesmos, como prova de fraude.
Segundo Regiane, o setor que ela supervisionava nunca foi conivente com nenhum tipo de crime ou caititu. A tentativa de fraude, diz ela, ficava apenas entre os músicos e os bares fiscalizados.
- Os compositores que tentavam fraudar o sistema estavam aliados a pequenos bares de música ao vivo. Não cobravam cachê para tocar neles desde que fossem avisados sobre a visita de um fiscal do Ecad. Aí, quando o fiscal chegava, colocavam a própria música para tocar o tempo todo.
Ecad rebateu denúncias
No sábado, o GLOBO denunciou uma série de irregularidades no Ecad - de déficit que vira superávit a bailes de carnaval em que são tocadas músicas de apenas um compositor, passando por vales-refeição emitidos em nome de funcionários já demitidos e embolsados por terceiros.
Na segunda-feira, o Ecad lançou um hotsite para rebater as denúncias de descontrole administrativo. Nele, informa que, no caso do golpe do carnaval, supostamente orquestrado pelos Macedo, foi realizada uma auditoria interna que se debruçou sobre todo o trabalho do NCD e que o núcleo foi extinto por conta "da comprovação do envolvimento direto" de seus funcionários na distorção da amostragem. O Ecad ressalta ainda que um novo setor foi montado no Rio de Janeiro, com a contratação de novos funcionários, e que há uma investigação policial em curso.
Fonte: Jornal O Globo